segunda-feira, 28 de abril de 2014

Alfama



Era uma vez uma rapariga que por não viver em Alfama, ia todos os dias a Alfama.

Era uma vez um rapaz que por não viver em Alfama, trabalhava todos os dias em Alfama.

Todos os dias essa rapariga levantava-se do leito da sua casa, vestia a sua melhor roupa, e ia para as ruas de Alfama.
O que ela fazia o dia inteiro em Alfama, os Alfamistas não sabiam.
Olhavam para ela com graça, por verem nos olhos dela, o fascínio por estar em Alfama.

O tal rapaz, o que trabalhava em Alfama, via essa rapariga todos os dias. E ficava fascinado pela beleza da rapariga, e por ela trazer ainda mais beleza a Alfama.

Eles viam-se todos os dias.
Não trocavam uma única palavra.
Mas gostavam de olhar um para o outro.
Como se olhando fossem descobrindo sobre cada um, cada vez mais, mais e mais...

Estiveram nisto muito tempo.
Muitos dias.
Muitos meses.

No dia que completavam um ano de olhares, ela que vestia sempre a melhor roupa, foi para Alfama.
Como sempre, como dantes.

Mas nesse dia, não viu o tal rapaz.
Ficou triste. Chorou. Chorou. Chorou. E quando parou, tinha uma poça de água feita do seu próprio choro. E olhando para a poça, viu-se como se fosse um espelho.
Quando se viu, teve força, pela beleza que via, e que era dela e resolveu voltar a Alfama.

Voltou no dia seguinte.
E encontrou o tal rapaz.

Viu-o.
Ficou feliz.
Ele sorriu.
Ela finalmente perguntou:

"porque não vieste ontem?"

"porque trabalho aqui num café e ontem foi a minha folga!"

Ela sentiu-se feliz. E tonta. Como o Amor deve ser.

Não se largaram mais, desde esse dia.
E são felizes em Alfama, onde agora vivem.


Se ela tivesse acreditado que naquele dia em que não o viu, que jamais o voltava a ver, então no dia seguinte não teria voltado a Alfama.

CONCLUSÃO:
Nunca aceitar que nunca mais vamos ver o nosso Amor.





domingo, 27 de abril de 2014

O Riso



O riso.
Da sacada de uma janela vejo o meu sorriso.


Lisboa faz-me rir.
Rir até o coração ficar descompensado.
Rir até não aguentar mais.

Lisboa traz-me sorrisos que eu devolvo com gargalhadas.


Não sei se noutro local do mundo seria tão feliz como sou em Lisboa.


Mas reza a lenda que só se pode rir até o coração ficar descompensado, em Lisboa.



Hoje ri até o cansaço ditar as regras.
Até esse cansaço me derrubar entre o meu Amor e Alfama.

Agora, estou entre ele e estas ruas.


A pureza deste meu Amor de tão feliz que é parece um Carnaval.

E eu que não gosto de Carnaval, dou por mim entre ruas e baiucas, a cantar o pagode deste meu viver.


Ri muito hoje.
Estou muito cansada, mas adormeço feliz, porque sei que mesmo chorando, sou feliz em Lisboa.


Não sei viver sem a sacada de uma janela. Não sei viver sem rir alarvemente. Não sei rir assim, longe de Lisboa.


Resposta: todas as minhas risadas são consequência de um grande amor.

Sim aquele amor que move o sol e as outras estrelas.





Para Vasco Graça Moura e a sua magistral tradução da Divina Comédia.

sábado, 26 de abril de 2014

Era uma vez uma Revolução.



Era uma vez um amor.
Era uma vez uma revolução.

Era uma vez uma rapariga que vivia em Lisboa.
Era uma vez um rapaz que vivia em Lisboa.

Os tempos eram difíceis.
A liberdade não existia.
A extorsão era uma constante.
A falta de Amor andava pelas ruas.

Ela era reacionária.
Ele calmo e sereno.

Ela berrava pela mudança.
Ele sussurrava pela diferença.

Eles não se entendiam. Queriam o mesmo, mas não se entendiam.

Ela era violenta.
Ele era manso.

Ela era barulhenta.
Ele era o silêncio.

Ela era pelo Mar.
Ele galgava o mundo por Terra.

Ela era Europa.
Ele África e Mandela.


Ela era louca por ele.
Ele não sabia que era louco por ela.


Um dia uma revolução mudou completamente as suas vidas.

Nunca mais olharam na cara um do outro.
Nunca mais falaram.
Nunca mais discutiram.
Nunca mais lutaram pela diferença e pela mudança.
Nunca mais brigaram.
Nunca mais bateram de frente.
Nunca mais se encontraram.
A revolução afastou tudo aquilo que os diferenciava.

Foi cada um para o seu lado.
Cada um foi ouvir a sua música.
As suas letras.
Os seus livros.



Quarenta anos depois, encontraram-se.

Olharam nos olhos um do outro e perceberam que aquela revolução se traduziu numa palavra: Amor.

Olharam um no outro e lamentaram não terem percebido que o Amor é uma revolução.
Que muda a vida dos Homens, das Nações, dos Mares e do Cabo do Mundo.

Olharam um no outro. Deram a mão um do outro. Deram um abraço, e pela primeira vez desde a instauração desse golpe de estado chamado Amor, foram felizes.


Demoraram 40 anos para se encontrar.

"Não tenhas pressa, mas não percamos tempo."   José Saramago.

Nunca deixar que o Amor não revolucione as nossas vidas.

Estas duas pessoas precisaram de 40 anos para crescer.


domingo, 20 de abril de 2014

Manhã de Abril




É difícil para mim não olhar para Lisboa, olhando para o 25 de Abril.

Não imagino esta cidade sem Liberdade.

A Liberdade que temos hoje, precisa ser discutida, não é de todo a Liberdade, que se quis na madrugada de 25 de Abril de 1974.

Eu não era nascida. Eu não era pensada.

Se pudesse escolher uma época para viver, seria essa época.

Em que a Liberdade estava iminente e onde cada gesto coincidiu com a construção de um País melhor.


Chico diz que "foi bonita a festa, pá".

Foi de facto.


De cravo na boca.
De cadeias abertas.
De Liberdade na mão.


Assim foi o 25 de Abril.


A fotografia que aqui está persegue-me vai para muitos anos.


É na rua Vítor Cordon junto à sede da PIDE na manhã de 26 de Abril de 74.
Fotografia de Eduardo Gajeiro.


É das ruas que mais gosto em Lisboa.
E esta fotografia das que mais marcou o compasso da minha vida como fotógrafa.


A Liberdade é como o Amor. Deve ser vivida sem extorsão, opressão e despotismo.



Queria saber qual era o cheiro das ruas de Lisboa naquela manhã de Abril.
Queria saber como se vive um dia que vai mudar para sempre as nossas vidas.

Queria saber como uma mão numa arma consegue derrubar uma Ditadura.
Como se consegue concretizar um futuro melhor.

A flor.
A Primavera.
A Multidão.


A razão de um povo demora muito tempo a construir.

Mas como me disseram os meus pais:

"Naquele dia, era como se tivéssemos mudado o Mundo".


E mudaram o mundo nas ruas de Lisboa.





(para o meu Pai que teve a PIDE às costas, e para a minha Mãe que nessa manhã estava no Porto com o meu irmão, porque a falta de Liberdade não os deixava estar em Lisboa...).

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Paço do Lumiar

O texto que se segue foi escrito num outro blog que já não existe, faz muito, muito tempo.
Hoje faz todo o sentido que esse texto se repita.
A matéria deste texto é dedicada à minha Mãe, e a Saramago.

Lisboa, vai ser sempre a minha ponte para o Mundo.
E o Paço do Lumiar, a minha trincheira.

Fica o texto em memória de Saramago.



"CCB. Era 1999.

Cheguei a casa histérica de um concerto do Fausto. Iria meses depois numa viagem grande para os EUA com esse concerto gravado numa cassete. Tinha 16 anos.

Fui de Boston para NY de camioneta e o condutor era Açoriano. Estive horas na conversa com ele e só falamos de comida, às tantas tive que dormir. Naquela altura dormia imenso.

Acho que hoje não durmo porque naquela altura dormia imenso.

E adormeci a ouvir isto.


Hoje fui visitar a minha mãe.
Nunca vou.
Não gosto de visitar locais onde as pessoas repousam. Não gosto de dormir. Não gosto de descansar.
Logo não gosto de locais onde as pessoas descansam para sempre.

Mas hoje fui.
Deixei lá uma flor branca. Em cima da pedra. Como Saramago queria.

Olhei para o lado e vi um condomínio.
Caramba é mesmo ao lado da minha Mãe.


Devia ter tido inteligência emocional para naquela noite não ter estado tão perto da minha Mãe.

Para não andar de bicicleta.
Para não ver o céu tão baixo.
Para o tempo não ser tão grande.
E o ar muito grosso.
E o cheiro ser aquele.


Era a minha Mãe naquela noite enquanto eu galgava o Paço de bicicleta.

Só hoje percebi, era um sonho lindo.

E generosamente, deixei lá uma flor."

"meu amor tu sabes onde me encontrar 
e uma flor sobre a pedra vais deixar
de cada vez que lembrares de mim
de cada vez que te lembrares de mim."
 
 
 

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Dizem que é por Amor que olho tanto para Lisboa



Joana num País chamado Lisboa.

Podia ser um bom nome para um livro de crónicas.

Mas há por aí muitos livros de crónicas, e bons.

Portanto não são necessárias crónicas sobre a minha vida em Lisboa.

Que é rica, neste momento a mais rica, entre todas as vidas que vivi.


Quem ama Lisboa torna-se exilada desta cidade.

E não me apetece pedir Liberdade.

Sim, essa mesma Liberdade que faz agora 40 anos.



As pessoas que vivem em Lisboa sem olhar bem para ela, precisam de um livro de crónicas sobre a cidade.

Como aquelas pessoas que acham que vivem um grande amor, sem nunca ter lido um valente romance.

O amor por vezes é um jogo de matraquilhos, onde temos que aceitar o desafio de acertar aquela pequena bola na baliza.

Mas a pontaria do amor é tramada.
Às vezes a bola choca contra a cabeça de um dos bonecos/jogadores, outra vai para fora da mesa, outras que nunca entra na baliza.

E depois as pessoas desistem e dizem que não gostam de matraquilhos.

Como no amor, mas se o Amor é grande e do tamanho dessa bola pequena, então não se pode desistir.


Temos muita gente na classe dos repetentes do Amor.
A turma vai cheia. Não há professor que tenha mão nessa sala de aula.

Mas dou muito mais valor a esses repetentes que repetem, repetem, e repetem.
Dos que seguem em frente, sem nunca perceber o que é o Amor.



O meu Amor é repetente. Também estou na sala dos repetentes.
Mas ao contrário do ano anterior caminho para um desempenho exemplar.


Aprendi no ano passado que amar, era em Lisboa.

Lisboa, já aqui está. Do outro lado da mesa dos matraquilhos também.
Agora é só cumprir um 1 a 1.

O amor em Lisboa vive-se entre tascas, jolas e mesas de matraquilhos.

terça-feira, 1 de abril de 2014

Chiado que chia dentro do meu coração



Gosto muito desta fotografia.
Muito mesmo.
Quando gosto muito de alguma coisa passo horas a olhar para ela.

Sou apaixonada por Lisboa.
Mas a minha maior paixão chama-se CHIADO.

C-H-I-A-D-O.

Palavra estranha de sonoridade doce e que enche os meus dias de afectos de cada vez que me lembro que o Chiado existe.

Consigo com a maior exactidão do mundo dizer onde já fui mais feliz.

E foi no Chiado. Entre pilaretes e cavalitas.

Acho, não posso assegurar, mas acho e sinto que a palavra Chiado, vem de barulho.

Do barulho do Chiado, das pessoas que habitam nele, que lá trabalham, ou tal como eu, são felizes no Chiado.

O Chiado chia no meu coração.
Esse barulho não muda.
A minha vontade de continuar entre cavalitas e pilaretes, mantêm-se.

O Chiado é um verbo.

Chiado quer dizer amar e fazer barulho.

Como se chiando, bem baixinho, conseguíssemos trazer de novo aquela pessoa, para aquelas ruas.

Vou morar eternamente dentro desta ideia.
A fazer barulho nas cavalitas do meu Chiado.